A síncope, definida como uma perda transitória de consciência e do tônus postural de início rápido, curta duração e recuperação espontânea completa, é uma condição comum que afeta milhões de pessoas globalmente. Sua natureza frequentemente súbita e imprevisível a torna um desafio diagnóstico considerável, especialmente quando as causas mais óbvias são excluídas. Para cardiologistas, arritmologistas e clínicos gerais, desvendar a etiologia da síncope inexplicada é crucial para prevenir recorrências e, em casos de síncope arrítmica, reduzir o risco de eventos cardíacos maiores. Neste contexto, o monitoramento cardíaco prolongado emerge como uma ferramenta diagnóstica indispensável.
O Desafio Diagnóstico da Síncope e as Limitações dos Métodos Convencionais
A avaliação inicial da síncope geralmente inclui histórico detalhado, exame físico e um eletrocardiograma (ECG) de 12 derivações. No entanto, muitos casos de síncope têm origem em arritmias paroxísticas intermitentes que podem não ser detectadas por um ECG de rotina ou por um Holter de 24 a 48 horas. A baixa frequência de eventos sincopais em alguns pacientes significa que a “janela de oportunidade” para capturar a arritmia subjacente é estreita, tornando os métodos de monitoramento de curta duração frequentemente insuficientes.
Monitoramento Prolongado: Expandindo a Janela Diagnóstica
O monitoramento prolongado estende significativamente o tempo de registro do ECG, aumentando a probabilidade de capturar eventos arrítmicos raros ou assintomáticos que precedem a síncope. Essa categoria inclui principalmente o monitoramento de ECG de 7 dias (Holter estendido ou gravadores de eventos externos) e os monitores cardíacos implantáveis (ILRs).
O Destaque do Monitoramento de ECG de 7 Dias
Para a maioria dos pacientes com síncope inexplicada e frequência de eventos que permitem a detecção dentro de alguns dias a semanas, o monitoramento de ECG de 7 dias representa um avanço significativo em relação aos Holters de curta duração. Ele oferece um equilíbrio ideal entre duração, conveniência e custo-efetividade. Dispositivos modernos são menores, mais fáceis de usar e permitem ao paciente realizar suas atividades diárias normalmente, o que aumenta a adesão e a representatividade do registro em condições de vida real.
A superioridade do monitoramento de 7 dias em comparação com o monitoramento de 24-48 horas para o diagnóstico de arritmias causadoras de síncope é amplamente documentada. A capacidade de registrar um período mais longo da atividade elétrica cardíaca aumenta consideravelmente o rendimento diagnóstico, especialmente para bradiarritmias e taquiarritmias supraventriculares ou ventriculares intermitentes.
Monitores Cardíacos Implantáveis (ILRs) para Casos de Alta Complexidade
Quando a síncope persiste inexplicada após uma investigação extensiva, incluindo o monitoramento externo prolongado, e a suspeita de etiologia arrítmica permanece alta, os Monitores Cardíacos Implantáveis (ILRs) tornam-se a próxima etapa. Esses pequenos dispositivos, implantados subcutaneamente com um procedimento minimamente invasivo, podem monitorar o ECG por até três anos ou mais, tornando-os ideais para eventos muito esporádicos ou para pacientes de alto risco. Eles oferecem o maior rendimento diagnóstico entre todas as modalidades de monitoramento prolongado.
Eficácia e Rendimento Diagnóstico
O rendimento diagnóstico do monitoramento prolongado em pacientes com síncope inexplicada é notavelmente superior aos métodos convencionais. Estudos demonstram que, enquanto um Holter de 24-48 horas pode identificar a causa em cerca de 10-20% dos casos, o monitoramento de 7 dias pode elevar esse número para 30-40%, e os ILRs podem alcançar até 80% ao longo de seu período de monitoramento. Esse aumento na taxa de diagnóstico é fundamental para direcionar tratamentos específicos e melhorar o prognóstico dos pacientes.
Tabela Comparativa de Rendimento Diagnóstico

Referência: Baseado em dados de estudos e diretrizes, por exemplo, referências [2, 3, 4].
Custo-Benefício e Impacto na Prática Clínica
Apesar do custo inicial do monitoramento prolongado, especialmente dos ILRs, a sua implementação racional pode gerar benefícios significativos em termos de custo-efetividade e impacto clínico. Um diagnóstico precoce e preciso evita a necessidade de múltiplas investigações diagnósticas adicionais (muitas vezes invasivas ou caras e de baixo rendimento), reduz hospitalizações repetidas por síncope e direciona terapias específicas, como implante de marcapasso ou ablação. Isso não só melhora a qualidade de vida do paciente, mas também otimiza a alocação de recursos de saúde a longo prazo.
Na prática clínica, o monitoramento prolongado:
- Facilita a decisão terapêutica: Permite intervenções mais assertivas.
- Reduz a ansiedade do paciente: Um diagnóstico claro alivia a incerteza.
- Melhora a segurança: Identifica arritmias malignas que podem levar a eventos mais graves.
Recomendações das Diretrizes Atuais
As principais diretrizes de sociedades cardiológicas, como a Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC), a American Heart Association (AHA) e a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), convergem na importância do monitoramento prolongado para a avaliação da síncope.
Geralmente, após uma avaliação inicial negativa, o monitoramento externo prolongado (como o de 7 dias) é recomendado para pacientes com síncope recorrente ou inexplicada e suspeita de etiologia arrítmica. Para aqueles em que o monitoramento externo não revela a causa e a síncope é frequente ou de alto risco, os ILRs são fortemente indicados.
Recomendações de Monitoramento de ECG em Síncope Inexplicada

Referência: Adaptado das diretrizes [3, 4, 5].
Cenários Clínicos Ilustrativos
- Cenário 1: Paciente com Síncope Recorrente e Monitoramento Convencional Negativo Dona Maria, 68 anos, apresenta episódios de síncope há 6 meses, com 2 a 3 ocorrências ao mês. Sua avaliação inicial (ECG, Holter 24h, ecocardiograma) foi normal. A suspeita clínica é de arritmia paroxística. O encaminhamento para um monitor de ECG de 7 dias é indicado. No 5º dia de monitoramento, o dispositivo registra episódios de taquicardia ventricular não sustentada que precedem os sintomas, confirmando a etiologia arrítmica da síncope e permitindo o início de terapia antiarrítmica.
- Cenário 2: Jovem Atleta com Síncope em Esforço João, 22 anos, atleta, teve um episódio de síncope durante um treino intenso. Sem histórico familiar relevante ou doença cardíaca estrutural aparente nos exames iniciais. Um Holter de 7 dias é implementado. O monitoramento revela episódios de bloqueio atrioventricular de alto grau intermitente durante o exercício, que não haviam sido detectados anteriormente. Isso leva à indicação de um marcapasso, prevenindo novos episódios e garantindo a segurança do atleta.
Conclusão: Um Paradigma Essencial na Investigação da Síncope
O monitoramento cardíaco prolongado, com um destaque crescente para o monitoramento de ECG de 7 dias, transformou a abordagem diagnóstica da síncope inexplicada. Ao expandir a janela de detecção de arritmias, essa tecnologia não apenas aumenta significativamente o rendimento diagnóstico, mas também possibilita intervenções terapêuticas mais precisas, resultando em melhoria da qualidade de vida e redução de custos a longo prazo.
Integrando o Monitoramento de ECG de 7 Dias na Rotina Clínica
Para otimizar o diagnóstico e manejo da síncope, recomendamos que cardiologistas, arritmologistas e médicos gerais considerem ativamente a inclusão do monitoramento de ECG de 7 dias como uma etapa padrão na investigação de pacientes com síncope inexplicada, especialmente após uma avaliação inicial negativa.
- Identifique pacientes elegíveis: Aqueles com síncope recorrente, sem causa clara após ECG de 12 derivações e Holter de 24-48 horas, ou com alta suspeita clínica de arritmia intermitente.
- Eduque o paciente: Explique a importância do monitoramento prolongado e como utilizar o dispositivo.
- Interprete com critério: Esteja atento a padrões arrítmicos mesmo que assintomáticos, que podem ser precursores da síncope.
- Considere a escalada: Se o monitoramento de 7 dias for negativo e a síncope persistir, avalie a indicação de um Monitor Cardíaco Implantável (ILR).
Adotar essa abordagem sistemática é um passo fundamental para desvendar os mistérios da síncope e oferecer o melhor cuidado aos nossos pacientes.
Referências Bibliográficas
- Monitor cardíaco implantável: uma revisão bibliográfica. Disponível em: repositorio.unifesp.br. Acesso em 15/11/2025.
- Monitoramento em Arritmias. Disponível em: cncb.med.br. Acesso em 15/11/2025.
- Brignole M, et al. 2018 ESC Guidelines for the diagnosis and management of syncope. Eur Heart J. 2018;39(21):1883-1948.
- Shen WK, et al. 2017 ACC/AHA/HRS Guideline for the Evaluation and Management of Patients With Syncope: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines and the Heart Rhythm Society. Circulation. 2017;136(5):e60-e122.
- Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). Diretrizes para o Diagnóstico e Tratamento da Síncope. (Nota: A SBC publica periodicamente diretrizes, consultar a versão mais recente para detalhes específicos).