A Fibrilação Atrial (FA) é a arritmia cardíaca sustentada mais comum, afetando milhões de pessoas em todo o mundo. Para além de sintomas como palpitações, fadiga e dispneia, a FA é um fator de risco independente e significativo para o Acidente Vascular Cerebral (AVC) isquêmico, aumentando a probabilidade de um evento em até cinco vezes [1]. A grande questão é que a FA pode ser assintomática – ou mesmo não sustentada – em muitos pacientes, tornando a sua detecção um desafio e, ao mesmo tempo, uma prioridade na prevenção primária e secundária do AVC.
A Fibrilação Atrial e o Risco de AVC: Um Elo Perigoso
A Fibrilação Atrial assintomática é particularmente insidiosa. Pacientes podem ter episódios de FA sem perceber, o que permite a formação de trombos no átrio esquerdo e o consequente risco de embolia para o cérebro. A detecção tardia ou a ausência de diagnóstico impede a instituição de uma terapia anticoagulante eficaz, que é a pedra angular na prevenção do AVC relacionado à FA [2]. Diante desse cenário, o monitoramento cardíaco prolongado surge como uma estratégia fundamental para identificar episódios de FA que passariam despercebidos em exames de rotina.
Por Que o Monitoramento Prolongado? Superando as Limitações do Rastreamento Tradicional
O eletrocardiograma (ECG) de 12 derivações em repouso e o Holter de 24 ou 48 horas são ferramentas valiosas, mas possuem uma sensibilidade limitada na detecção da FA paroxística ou assintomática, que ocorre de forma intermitente. A chance de “capturar” um episódio de FA aumenta diretamente com a duração do monitoramento. É aqui que o monitoramento prolongado, como o Holter de 7 dias, ganha destaque.

Modalidades de Monitoramento Prolongado: Um Olhar Mais Abrangente
Embora o foco principal seja o ECG de 7 dias, é importante reconhecer o espectro completo das opções de monitoramento prolongado:
- Holter de 7 dias (ou Holter estendido): Representa um equilíbrio entre custo, conforto do paciente e capacidade diagnóstica. Sua prolongada duração aumenta significativamente a probabilidade de identificar episódios de FA paroxística em comparação com os Holteres mais curtos [1, 3].
- Holter de 14 dias ou mais: Em populações selecionadas, como pacientes pós-AVC isquêmico criptogênico, monitoramentos mais longos, como os de 14 dias, demonstraram uma taxa de detecção de FA ainda maior [4].
- Monitores Cardíacos Implantáveis (ICMs): Oferecem monitoramento contínuo por vários anos e são considerados o “padrão ouro” para a detecção de FA em pacientes de alto risco ou após AVC criptogênico, onde a suspeita de FA é alta e monitoramentos externos foram negativos [2, 5].
O Impacto Clínico Direto: Da Detecção à Prevenção Ativa
A principal vantagem do monitoramento prolongado é a detecção precoce da FA assintomática. Uma vez identificada a arritmia, o médico pode instituir prontamente a terapia anticoagulante oral (ACO) apropriada, reduzindo dramaticamente o risco de AVC isquêmico [2]. Estudos demonstraram que a anticoagulação iniciada após a detecção de FA paroxística, mesmo que assintomática, é tão eficaz quanto a iniciada em FA persistente ou permanente.
Análise de Custo-Benefício: Um Investimento que Salva Vidas e Recursos
O custo de um AVC é imenso, tanto para o paciente (perda de qualidade de vida, incapacidade) quanto para o sistema de saúde (hospitalização, reabilitação de longo prazo, cuidados crônicos). Nesse contexto, o monitoramento cardíaco prolongado, incluindo o Holter de 7 dias, apresenta-se como uma estratégia custo-efetiva.
A detecção precoce da FA e a subsequente prevenção do AVC podem resultar em economias substanciais. Análises de custo-efetividade indicam que, embora os monitores implantáveis tenham um custo inicial mais elevado, eles podem ser custo-efetivos a longo prazo, especialmente em populações de alto risco, devido à redução dos custos associados ao tratamento de AVCs [5, 6]. O Holter de 7 dias, sendo menos invasivo e com custo mais acessível, oferece um excelente retorno sobre o investimento em termos de saúde pública e individual.
Diretrizes Atuais: O Consenso das Sociedades Médicas
As principais diretrizes cardiológicas e neurológicas recomendam fortemente o monitoramento prolongado para a detecção de FA em pacientes com risco ou após um AVC isquêmico criptogênico:
- As Diretrizes da European Society of Cardiology (ESC) de 2024 para o manejo da FA enfatizam a importância do rastreamento de FA em pacientes com AVC criptogênico e recomendam monitoramento estendido, com sugestões de duração mínima de 48-72 horas, mas reconhecendo o benefício de períodos mais longos [2].
- As Diretrizes da American Heart Association/American Stroke Association (AHA/ASA) de 2021 para o manejo de AVC/AIT também recomendam o monitoramento prolongado, especificamente em pacientes pós-AVC criptogênico, para detectar FA assintomática [7].
Essas recomendações reforçam a necessidade de integrar o monitoramento prolongado na rotina diagnóstica, especialmente em pacientes com fatores de risco para FA ou que já sofreram um AVC de causa indeterminada.
Desafios e Achados Incidentais na Prática Clínica
Apesar dos benefícios, a implementação do monitoramento prolongado pode enfrentar desafios. Questões logísticas, a adesão do paciente e a interpretação de achados incidentais são pontos a serem considerados.
- Achados Incidentais: Durante um monitoramento prolongado, é comum identificar eventos cardíacos que não são FA, como extrassístoles atriais frequentes (PACs) ou taquicardias atriais não sustentadas (TANs). Embora não sejam FA, esses achados podem indicar um risco aumentado de desenvolver FA no futuro e justificam maior vigilância [8]. O médico deve estar apto a discernir a relevância clínica desses achados, focando sempre na FA assintomática como o principal alvo preventivo.
- Fluxo de Trabalho e Interpretação: A grande quantidade de dados gerados por monitoramentos prolongados exige um fluxo de trabalho eficiente para análise e interpretação. A tecnologia tem evoluído para auxiliar nesse processo, mas a expertise do arritmologista ou cardiologista é indispensável.
Integrando o Monitoramento de 7 Dias na Sua Rotina
Para cardiologistas, arritmologistas e clínicos gerais, a adoção do monitoramento de ECG de 7 dias na rotina clínica é uma medida proativa e de alto impacto na saúde cardiovascular dos pacientes. Considere as seguintes recomendações práticas:
- Identifique Pacientes de Risco: Priorize o monitoramento prolongado em pacientes com AVC isquêmico criptogênico, idosos assintomáticos com fatores de risco (hipertensão, diabetes, insuficiência cardíaca), ou aqueles com CHA2DS2-VASc score elevado.
- Eduque o Paciente: Explique a importância do monitoramento prolongado para a detecção de FA e a prevenção de um AVC potencialmente devastador. Isso aumenta a adesão e o engajamento.
- Facilite o Acesso: Trabalhe com sua equipe para otimizar o processo de solicitação e instalação do Holter de 7 dias, garantindo que seja um procedimento acessível e com mínimo transtorno para o paciente.
- Esteja Atento aos Achados: Além da FA, interprete os achados incidentais como um sinal de alerta e considere o acompanhamento mais próximo ou monitoramentos repetidos em intervalos regulares.
- Anticoagule Prontamente: Uma vez detectada a FA, inicie a terapia anticoagulante oral conforme as diretrizes, sem hesitação, para mitigar o risco de AVC.
O monitoramento cardíaco prolongado, com destaque para o Holter de 7 dias, não é apenas uma ferramenta diagnóstica; é uma estratégia preventiva de vida. Ao incorporá-lo à prática clínica, os médicos têm o poder de transformar o prognóstico de pacientes em risco, prevenindo uma das mais devastadoras complicações cardiovasculares: o AVC.
Referências Bibliográficas
- Aussel et al. Usefulness of ambulatory 7-day ECG monitoring for the detection of atrial fibrillation and flutter after acute stroke and transient ischemic attack. Stroke. 2004.
- Van Gelder I. C, et al. 2024 ESC Guidelines for the management of atrial fibrillation developed in collaboration with the European Association for Cardio-Thoracic Surgery (EACTS), European Heart Journal (2024) 00, 1-101.
- Kułach A, et al. 72h Holter vs 7d Holter vs 30d intermittent ECG in cryptogenic stroke patients. Open Med (Wars). 2020;15(1):697–701. doi:10.1515/med-2020-0203.
- Himmelreich JCL, et al. 14-day Holter monitoring for atrial fibrillation after ischemic stroke: The yield of guideline-recommended monitoring duration. Eur Stroke J. 2022;8(1):157–167. doi:10.1177/23969873221146027.
- Thijs VN, et al. Cost-effectiveness of insertable cardiac monitors for AF diagnosis in cryptogenic stroke (Australia). J Arrhythm. 2021;37(4):1077–1085. doi:10.1002/joa3.12586.
- Rao SJ, et al. A cost comparison of atrial fibrillation monitoring strategies after embolic stroke of undetermined source. Am Heart J Plus. 2022;21:100195. doi:10.1016/j.ahjo.2022.100195.
- Diretriz AHA/ASA Stroke/Transient Ischemic Attack. 2021. (Recomenda monitorização prolongada pós-AVC criptogênico).
- Pezawas T, et al. ECG Smart Monitoring versus Implantable Loop Recorders for AF Detection after Cryptogenic Stroke — An Overview for Decision Making. J Cardiovasc Dev Dis. 2023;10(7):306. doi:10.3390/jcdd10070306.